Unholy Women · Cineclube EA

06 ABR 2021, 18h30 | ONLINE
The Velvet Vampire
de Stephanie Rothman
Estados Unidos da América, 1971, 80'

A subtil desconstrução do expectável
Teresa Vieira, jornalista e crítica de cinema

"Se a subversão é possível, sê-lo-á a partir de dentro dos termos da lei, graças às possibilidades que emergem quando a lei se vira contra si e gera permutações inesperadas dela mesma. O corpo culturalmente construído será então libertado, não do seu passado “natural” nem dos seus prazeres originais, mas de um futuro aberto de possibilidades culturais."
- Judith Buttler, in Problemas de Género

The Velvet Vampire é um título que nos remete desde logo para um universo que reconhecemos como familiar: a conjugação de um elemento de possível luxúria e poder, com o reino da fantasia da existência de um ser que consome, gota a gota, um dos ingredientes essenciais para a vitalidade do sistema corporal. Um ser que esvazia um outro - o frágil humano banal - da sua agência.

Não sendo o título original previsto para este filme de Stephanie Rothman, este é, mesmo assim, um - dos primeiros e - de vários componentes que permitem a criação da subtil disrupção da linearidade imposta pelo padrão de representatividade. Uma linha de composição ténue de subversão da expectativa do género cinematográfico, mas também - e, talvez, acima de tudo - dos papéis previstos para os arquétipos de personagens apresentados.

Do vermelho retiramos a fonte do destaque: a cor do objecto do desejo, que domina o fundo dos primeiros movimentos visuais que observamos, que se mantém presente como elemento de ligação dos cenários que os sucedem, e que cobre o corpo da primeira personagem que surge na tela. Assim, vemos Diane Lefanu, num domínio de poder que rapidamente entra num combate pela sobrevivência. Um ataque à calculada fragilidade associada a um corpo desta natureza que, sob a eminência do esvaziar da sua agência, da submissão à fatalidade do grotesco, invoca o poder da acção contra o domínio masculino. Este gesto inicial denuncia grande parte da inversão de padrões de género (ainda que dentro de uma perspectiva binária) e sexualidade presentes em The Velvet Vampire: o poder jaz sobre (a complexidade d)o feminino.

Lee e Susan Ritter são as presas que, pelo infortúnio do encontro casual, ficarão sobre a teia de controlo de Diane Lefanu. Numa ida ao deserto de Mojave, o improvável centro de (habit)ação de uma obra com contornos temáticos vampíricos, a dupla associável ao padrão heteronormativo americano - de traços de plasticidade Barbie e Ken - depara-se com a (sur)realidade de co-existência com o (sobre)natural. Numa dinâmica de transição constante entre (o sublime) sonho (à la Cocteau) e realidade, entre o concreto racional e a fantasia do desejo, a objectificação deste indivíduos de carácter naive, é distribuída de forma relativamente equitativa. Se o fruto proibido, o alvo do desejo, guia esta acção de tons eróticos, a apoteose é alcançada não na consumação fácil do mesmo, mas num plano simples de subsistência - da vitória da vida sobre a morte, do veneno que não alcança o destino -, com a triangularização (visual e emocional) de relação entre as personagens.

O fatal destino do masculino é contraposto por uma evolução - marcada notoriamente (e, mais uma vez,) pelas cores que ressaltam - do feminino, que escapa vitoriosamente à vitimização. Se o rosa esteve esmagado pelo peso da traição, transitou gradualmente para tonalidades térreas: o seu olhar e a sua postura mantiveram a compostura e firmeza necessários para uma transposição da barreira, dos vidros que (sempre) o encapsularam, dos espelhos que (sempre) o quiseram prender à normatividade da imagem.

Não se pretende aqui, no entanto, criar uma ilusão de salvação cinematográfica utópica: esta obra de Rothmann carece muito evidentemente de mestria (algo que, no entanto, permite a criação de um certo cariz cómico e kitsch de filme de série B). Velvet Vampire não representa, também, uma visão de total disrupção e subversão do sistema dominador do olhar. No entanto, é uma subtil - e agradável - mostra de como é possível mudar - mesmo que só um pouco - as regras do jogo do expectável: de sugar o veneno da imposição e apontar o espelho para o interior do - outrora "outro" - sujeito de representação.