Espectros Coloniais · Cineclube EA

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Cineclube 2020-21

Equipa do Cineclube EA 2020/21
Benjamim Gomes
Diogo Pinto
Eva Direito
Miguel Mesquita
Vasco Trabulo Bäuerle

com o apoio de
Carlos Natálio
Daniel Ribas

More Information

 

PROGRAMA

Nunca é Noite no Mapa
de Ernesto de Carvalho
Brasil, 2016, 6'
+
Entretempos
de Frederico Benevides e Yuri Firmeza
Brasil, 2015, 7'
+
A Morte Branca do Feiticeiro Negro
de Rodrigo Ribeiro
Brasil, 2020, 11'
+
Casa Forte
de Rodrigo Almeida
Brasil, 2014, 11'
+
Seiva
de Louise Botkay
Haiti, 2010, 11'
+
República
de Grace Passô
Brasil, 2020, 16'

 

 

18 MAI 2021, 18h30 | AUDITÓRIO ILÍDIO PINHO
Seleção de curtas metragens brasileiras programada por Bárbara Bergamaschi

As Cidades e seus Fantasmas
Bárbara Bergamaschi, doutoranda em Comunicação e Cultura

A sessão “Espectros Coloniais” foi idealizada de forma a apresentar ao público português uma relevante produção de curtas-metragens contemporâneas brasileiras que circularam nos principais festivais nacionais e internacionais nos últimos dez anos (2010 a 2020). Os filmes aqui escolhidos são em sua maioria de jovens realizadores - representando diferentes regiões do Brasil - que se destacam não apenas por suas qualidades narrativas, mas pela ousada experimentação de linguagem e pelo debate ético-político que seus filmes propiciam. Os seis filmes desta sessão detêm um ponto em comum: são, cada um à sua maneira, assombrados por "fantasmas" da herança colonialista e escravocrata que ainda permeiam o cotidiano, mesmo que de forma inadvertida. São paisagens, cidades, corpos, olhares, afetos e histórias que são atravessados pelo perspetiva de-colonial aos quais entram em um diálogo dialético.

Antes de mais nada é importante distinguirmos colonialismo e colonialidade. O colonialismo é como ficou conhecida a experiência histórica localizada concreta ao longo do século XVI nas Américas e século XIX na Ásia durante o período das grandes navegações, do mercantilismo e do imperialismo. Já a colonialidade seria uma lógica de poder que extrapola o supracitado período histórico. A colonialidade seria uma forma pela qual o colonialismo funciona como política e hierarquizações, produtora de relações de poder. Como experiência a colonialidade engendra práticas e lógicas internas de funcionamento que perduram para além do período colonial, mesmo após a emancipação e independência das colônias. São os processos de endocolonização, o que o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2009) conceitua em “epistemologias do Sul”.              

Para o autor, tanto "o Sul” como “o Norte" seriam figuras metafóricas e não uma localização geográfica. O “norte” englobaria epistemes impostas e significadas no “sul global" como uma construção eurocêntrica, como parte do dispositivo colonial de controle e poder. A colonialidade, portanto, transborda e se desdobra nas ideologias de raça, nas formas contemporâneas de xenofobia, na organização comportamental de gênero, e no controle dos corpos e sexualidades em prol de uma organização nuclear patriarcal. Essa lógica do imaginário colonizado que Suely Rolnik (2016) denomina "inconsciente colonial capitalístico”, uma perspetiva “antropo-falo-ego-logocêntrica” que fundou formas de poder implícitas interiorizadas no sujeito se encontra em crise incessante e podem ser reverberadas nos filmes desta sessão.

Em Nunca é Noite no Mapa, Ernesto de Carvalho realiza um potente filme-ensaio sem câmera. Através unicamente de imagens do Google Maps capturam-se os “podres poderes” no ato-mesmo de construir sua geografia imaginária. Vemos uma cidade modelo que se impõe como produto idealizado, higienizado para ser importado para o consumo de olhos exteriores. Um filme de dispositivo que utiliza o próprio mecanismo para denunciar a máquina. Em Entretempos, Frederico Benevides e Yuri Firmeza captam as frequências do passado como sismógrafos do terror. Criam interferências no projeto de futuro renderizado da “nova” cidade maravilhosa pós-Copa do Mundo e Olimpíadas. Racham as fissuras do concreto armado, dando a ouvir um lamento soterrado que ainda ecoa de uma sombria memória. Em A Morte branca do Feiticeiro Negro, Rodrigo Ribeiro retoma imagens do império de Marc Ferrez para dar corpo e rosto à carta de Timóteo, uma das muitas vozes da paisagem silenciada ao longo de séculos. Em Casa Forte, Rodrigo Almeida retrata as "ligações perigosas" na cidade de Joaquim Nabuco e Gilberto Freyre, ainda repleta de espíritos, jogos e relatos da Casa Grande e Senzala. Já Seiva de Louise Botkay nos transporta para um universo onírico e da cura no Haiti (que segundo Caetano Veloso “é aqui”) - primeiro país a proclamar o fim da escravidão, imantado pela utopia republicana da Revolução Francesa. Por fim, para encerrar a sessão com chave de ouro, República, filmado durante a pandemia e dirigido por Grace Passô, uma das atrizes de maior força e expressão do cinema e teatro contemporâneo brasileiros, se pergunta, especularmente, que tipo de República nos restou, e para quem ela, de fato, nunca existiu senão como um sonho?

Alfredo Bosi (1996) relembra em "Dialética da Colonização” que as palavras cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo. O substantivo cultus quer dizer não só o cuidado com a terra como também o culto dos mortos, forma de cultivar a lembrança, de reviver ou esconjurar o passado. Há dois significados de cultus portanto, (1): o que foi trabalhado sobre a terra; cultivado; (2): o que se trabalha sob a terra; culto; enterro dos mortos; ritual feito em honra dos antepassados. O passado enraiza-se na experiência de um grupo por mediações simbólicas como: o canto, a dança, o rito, a oração - e também, porque não: o cinema. Veremos nesta sessão telúrica como cultivar a memória e a cultura apagadas, sem esquecer dos mortos e esconjurando suas vozes subterrâneas. 

Na atual conjuntura, em que o Brasil desponta à frente na necropolítica da Covid-19, após as manifestações do Black Lives Matters e a crescente demanda pela retirada dos monumentos históricos ligados aos “descobrimentos” em diversos países, torna-se urgente trazer para a ágora pública o debate sobre as heranças coloniais, especialmente quando pensamos sobre as relações e pontes culturais entre Portugal e Brasil. Como esses espectros chegam até nós? Como reverberam em nossos corpos? Que tipos de ecos ainda produzem?

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Brasil, 2016, 6'
+
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+
A Morte Branca do Feiticeiro Negro
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+
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