Leitura do Mangue

Sónia Vaz Borges & Filipa César et al

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Thumb Sónia Vaz Borges & Filipa César et al · Leitura do Mangue

 

06 JUL 2021 – 08 OUT 2021
Curadoria de Daniel Ribas e Nuno Crespo

Estudámos na lama. Quando a água nos chegava aqui (apontando um pouco acima do tornozelo), ficávamos lá até a lição acabar. Depois íamos embora e caminhávamos através da água para casa. Estudámos e vivemos no mangue durante quatro anos (1966-1969): foi o nosso refúgio contra os bombardeamentos (Marcelino Mutna).

Recentemente fomos à Guiné-Bissau pesquisar as condições dos estudantes nas escolas de guerrilha do mangue. Transformámo-nos e tornámo-nos, nós próprios, os aprendizes. E a primeira lição foi saber como andar. Se andares a direito, colocando primeiro os calcanhares no chão, escorregas imediatamente e cais nos diques inundados dos campos de arroz do mangue. Ou então ficas preso na lama do mangue. Precisas de baixar o corpo, dobrar os joelhos e espetar os pés verticalmente na lama, estender os braços em frente, num movimento consciente e presente. Na escola do mangue, a aprendizagem acontece com o corpo todo.
 
A nossa conversa parte de uma pesquisa profunda sobre o sistema militante educativo desenvolvido pelo Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) durante o processo de libertação, os onze anos de luta armada (1963-74) contra a ocupação colonial portuguesa e o interesse recorrente no imaginário da tarafe – a palavra criola para mangue. O mangue é uma arquitetura natural aérea, onde a memória ainda flutua através das redes das raízes e o respiro da maré oxigena um conhecimento de resistência numa condição de resistência pelo conhecimento. Aqui entramos num imaginário entrelaçado de várias dimensões convergentes: a epistemologia do rizoma, conceitos de educação militante e política, os ensinamentos de habitantes da comunidade Malafo, arquivos nómadas e noções agronómicas/botânicas de engenharia de mangais.
 
Leitura do Mangue é um mapa de conversas e uma jornada cinemática resultante de um empenho coletivo em falar sobre a natureza do rizoma e da sua resiliência. A escola do mangue não é uma metáfora para uma teoria de resistência, mas um organismo material para a partilha e produção de conhecimento, que evoluiu de uma luta anti-colonial e tomou o ecossistema do mangue como lugar permanente da sua luta – ligar raízes / desligar raízes, aprender / desaprender. A condição militante agropoética que é um tornar-se latente.

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