Incursões Experimentais · Cineclube EA

04 MAI 2021, 18h30 | ONLINE
Pesadelos Industriais
Eraserhead
de David Lynch
Estados Unidos da América, 1977, 89'
+
Tetsuo: The Iron Man
de Shin'ya Tsukamoto
Japão, 1989, 67'

What sphinx of cement and aluminium bashed open their skulls and ate up their brains and imagination?
André Coelho / Metadevice, músico e ilustrador

Ao cair nas fornalhas do Moloque, nada restará a não ser cinza. Da viscidez das suas  chamas emana a luz do progresso - ponto único de vitalidade cromática -, o fatal  encantamento do horror utópico.

Esta radical aniquilação cromática incorpora os preceitos da industrialização: a uniformização, repetição e massificação - os vetores positivistas da técnica / do aço reluzente / da possante mecanização que contém pesadelos enantiodromicos da monstruosidade, corporalizados simbolicamente no maximalismo orgânico da escória. Os gumes verticais das chaminés e dos vértices zincados rasgam as celestes aspirações aos voos de Ícaro. Resta só a implosão. Esmagado pela mitologia/utopia do progresso, o alienado grita – anomalia biológica a ser retificada pelo hostil mundo artificial e hipersaturado que o Homem criou para si mesmo. Desengane-se aquele que julga ser o espírito capaz de resistir às chamas: também este atinge um ponto de fusão. Os corpos e os comportamentos são assim fundidos e moldados, mas o circuito é autofágico - afinal, através das cinzentas lentes moloquianas, o sangue que jorra da carne dilacerada partilha da mesma viscosidade negra que constitui o óleo das peças metálicas alojadas na abertura muscular. O ciborgue é, portanto, trôpego e disfuncional. A inflamação da carne, a incompatibilidade entre desejo fisiológico e artificialidade geométrica, a dismotilidade emocional: clímaxes de inoperância pessoal e/ou inaptidão gregária. Transformados em não-vivos, acinzentam-se, negando qualquer possibilidade de policromia. É a consequente dissolução do que resta de humano na superabundância psicofisiológica do progresso.

Tecno-mantra cancerígeno: expansão das metástases. (devir distópico.) Ruído. Escória.  Cinza. 1,538 °C. ponto de fusão da psique. Implosão. A psicodeflagração de um mundo interior é assim o último estádio de total metastização: espectros tentaculares do progresso. As ferruginosas asas exoesqueletais de um Ícaro num entrópico voo picado; vetor – colapso; rotação – rumor; inexorabilidade maquinal; predominância do  utilitário ritmo circular.

Não se pense que este grito é o da revolta: é apenas mais uma modelação do ruído contínuo. O ser monstruoso não surge como consequência de um gesto de oposição, mas antes por via do extremo fetichismo. Uma geologia visceral da tecnologia industrial – a esfera carbonizada. Escória.

Finalmente, a redução do corpo a um detrito liberta-o da sua função, escapando assim dos sistemas utilitários.

Tetsuo e Eraserhead: a entrega à irreversibilidade da combustão nas entranhas do Moloque.