11 MAI 2021, 18h30 | AUDITÓRIO ILÍDIO PINHO
Cineconcerto com Ricardo Nogueira Fernandes (∩ - intersectiō)
BLU ▪ BLAU ▪ BLEU ▪ AZUL
Ricardo Fernandes, produtor
Visões de décadas passadas assombram-no. O seu único olho, centrado na sua cabeça, roda esquizofrenicamente sem saber o que focar. Ligado ao passado e ao futuro pelo mesmo cabo a informação transborda e metamorfoseia-se em algo intemporal. Surgem fragmentos, cores, imagens, violência, prazer. O sistema é levado ao seu limite, contagem decrescente para o meltdown. As frequências cruzam-se, somam-se, subtraem-se. O subsistema de tradução RGB começa a focar num único espectro, um espasmo final eletrónico para prevenir a autodestruição. 666 THz. Inicia-se o programa de comparação espectral de cores para determinar o sinal. Azul. O olho, agora transfixo num centro, procura padrões no caleidoscópio que lhe surge à frente. Uma mão, um pé, restos da sua antiga humanidade. Terá o sistema sido levado à paranoia? Cada vez mais o passado infecta a percepção do presente. A tensão entre linhas temporais aumenta, começam a surgir distorções. Perde-se a nitidez, começa a surgir ruído. Num rápido crescendo temos só o caos a transmitir o seu sinal a 200Db, ecos do desespero. Como um buraco negro, a imagem suga-se a si mesma e implode. Finalmente o silêncio. Aniquilação do sistema completa.
À excepção dos fenómenos de sinestesia, condição neurológica que, entre outros sintomas, leva à associação entre cor e som; da existência dos chamados ruído branco, rosa, azul, entre outros; da existência do estilo musical Blues ou mesmo a escala cromática, a linguagem musical, apesar de poder suscitar emoção, pensamento, crítica e reflexão, trata-se de uma expressão abstracta. Tal como a dança, apesar de ter uma linguagem, não sendo figurativa, é a narrativa que lhe atribui o tema e que auxilia a interpretação do movimento.
Como tal, a sonorização de um filme cuja narrativa se fragmenta, entrecruza e cita directa ou indirectamente outros autores, deverá, na sua composição e performance, demolir e fragmentar para depois fazer uma anastilose de uma escultura sonora pigmentada a azul. Tal como a atribuição do que cada cor representada para determinada sociedade se altera consoante a cultura em que se insere, não se pretende uma associação directa a determinado tipo de simbolismo ou emoção à cor azul. Esta será tão volátil como a sua valoração ao longo da história da humanidade. Volátil como a reacção a uma mancha azul de Yves Klein.
Recorrendo-se à matéria sonora do ruído, da repetição e da diluição das estruturas compositivas, pretende-se que esta se materialize e se desintegre em diálogo com as características intrínsecas da película VHS, usada no filme. A instabilidade, a estática, o grão, ou mesmo os artefactos deixados por gravações anteriores. Desta feita, pretende-se dar a ouvir o azul, o que quer que isso seja para cada espectador.