Unholy Women · Cineclube EA

06 ABR 2021 - 20 ABR 2021
Programação de Vasco Trabulo Bäuerle

Terror e feminismo, uma linha de escape

Em anos recentes, assistiu-se ao ressurgimento de narrativas e convenções do género do terror, em obras como The Love Witch (2016) de Anna Biller, Raw (2016) de Julia Ducournau e Revenge (2017) de Caralie Fargeat. Estas propuseram desconstruir estereótipos da personagem feminina arquetipal, apresentando-se como filmes female driven, representando mulheres complexas, com corpos imperfeitos e naturais. Em paralelo, o movimento #MeToo fez ressurgir o lado invisível e obscuro da indústria de Hollywood, marcada pela segregação, sexismo e interesses de grandes corporações. Colhendo um impacto social e mediático, proporcionou o debate e escrutínio desta problemática a grande escala. Estabelecendo uma relação entre estes dois movimentos aparentemente separados, ambos parecem querer indicar os mesmos sintomas: por um lado, a necessidade de reavaliar a história do cinema e perceber quais as figuras eclipsadas da sua escrita e, por outro, como as convenções de género como o terror, locus prolífero para o discurso e reflexão feminista, serviram de guarda-chuva para os valores de uma sociedade masculina e patriarcal.

Foi esta premissa que me fez querer procurar as relações mais profundas entre terror e feminismo, desvelando a génese desta ligação e as suas mais remotas origens, e percebendo a conjetura que a motivou como linha de escape para muitas mulheres realizadoras.

É preciso recuar um pouco no arco temporal da história. Estamos em plena década de 60, no contexto da depressão do pós-guerra, e vários sintomas revelam já uma profunda mudança de paradigma. O advento do aparecimento da televisão colocou em xeque o papel dos grandes estúdios como único veículo de produção e distribuição de imagens, o clima de instabilidade provocado pelas perseguições políticas, motivadas pela Guerra Fria, proporcionaram um declínio na qualidade artística das produções “hollywoodescas” e o surgimento de amplos movimentos sociais, como a segunda vaga do feminismo, que seria o ponto de rutura definitivo com os velhos valores de Hollywood, conduzindo-a a uma profunda crise identitária. Neste contexto, o poder descentralizou-se e a indústria fragmentou-se. Os estúdios deixaram de ser o principal lugar de feitura, financiamento e distribuição de filmes e uma série de produções de cinema começaram a ganhar folêgo e força, adaptando-se aos novos gostos e dinâmicas das audiências. Deste modo, potenciou-se o surgimento de vários géneros de filmes distintos, dentro dos quais se enquadram as propostas para este ciclo. Os exploitation (ou bfilms), art house e commercial independent. 

Os exploitation constituíam, na sua maioria, filmes de baixo orçamento, com tempos de produção reduzidos e um elenco amador, assentando sobretudo num sistema sensacionalista de marketing, a sua eficaz distribuição. Era comum a representação de nudez feminina, violência gráfica e as sequências de ação, assim como as convenções de género. Os filmes art house e commercial independent eram feitos sem qualquer suporte de uma estrutura de financiamento e produção. Desta forma, eram filmes que permitiam explorar estilos e géneros distintos, convenções formais e narrativas que não correspondiam a um modelo homogéneo. A sua distribuição e exibição estava maioritariamente dependente do circuito internacional de festivais.

Em The Velvet Vampire (1971), um filme exploitation, Stephanie Rothman dá uma nova perspetiva ao género de filmes de vampiros, colocando na figura da protagonista Celeste Yarnall, uma mulher moderna, inteligente e sedutora, desafiando convenções narrativas e o lugar desempenhado pela mulher neste género em particular. Ao subverter alguns tropos associados ao género, associando o vampirismo a uma doença venérea, e ao explorar elementos formais e plásticos com influências do cinema europeu, cria um filme particular dentro das limitações de produção e do contexto da época. 

Em Messiah of Evil (1973), um filme art house, a dupla Gloria Waltz e Willard Huyck combina géneros fílmicos e convenções narrativas distintas, construindo uma sensação de permanente uncanniness. Combinando elementos do género do horror, sobrenatural e psicológico, e profundamente influenciados pelo cinema art house europeu, atravessa referências que vão desde a relação dos personagens com o espaço (Michelangelo Antonioni), o uso estilizado da cor e do décor (Dario Argento) ou o filme zombie (George Romero).

Em The Mafu Cage (1978), um filme commercial independent, Karen Arthur fabrica um thriller psicológico, conduzindo-nos à relação obsessiva e destrutiva entre duas irmãs, na performance brilhante de Carol Kane e Lee Grant. A relação com a memória e o trauma, o seu décor e a sensibilidade com que é filmado, coloca-nos perante uma peça fascinante, obscura e inquietante. 

De forma mais ou menos isolada e nunca fazendo parte de um movimento coeso, unidas pelo contexto histórico, geográfico e pelo seu género, Stephanie Rothman, Gloria Waltz e Karen Arthur encontraram nesta forma marginal de produção a oportunidade de fazer as suas primeiras longas-metragens. 

Nas suas visões e abordagens particulares, subverteram os tropos e convenções associadas ao género do terror, tomando uma perspetiva e uma sensibilidade distinta no tratamento de personagens femininas (complexificando-as e quebrando expectativas cinemáticas) e da nudez (que marcava a marca titillating dos filmes feitos à época). Fazendo parte integrante do grupo de cineastas pioneiras em Hollywood nesta mudança de paradigma, a sua visão e persistência fariam parte da primeira grande tentativa de combater o sexismo institucionalizado na indústria americana. Este seria o início de uma profunda transformação de valores que possibilitaram, mais tarde, levantar outras questões relativas à descriminação racial e queer.

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