20 ABR 2021, 18h30 | ONLINE
The Mafu Cage
de Karen Arthur
Estados Unidos da América, 1978, 102'
O que nos aterroriza?
Cátia Rodrigues, Mestrado em Estética e Estudos Artísticos
Em The Mafu Cage, filme realizado em 1978 por Karen Arthur, estamos perante um thriller psicológico, com ténues traços de melodrama, que ameaça desconcertar-nos através da disposição de um confronto entre dominador e dominado, numa dinâmica de opostos que assumem mais do que uma forma – colonizador/colonizado, homem/animal, homem/mulher. A violência com que este confronto se dá culmina em inevitável (auto-) destruição, concretizando o presságio fúnebre que envolve todo o filme e nos mergulha no que nele é verdadeiramente aterrorizador – a dificuldade de libertação dos padrões normativos dominantes que nos acorrentam a ideias opressoras.
Neste sentido, The Mafu Cage é um filme assombrado, que conhece e dá a conhecer, desde logo, a sombra que paira sobre ele – uma memória que determina inteiramente a vida das irmãs Cissy e Ellen, e em volta da qual a sua relação se desenvolve e mantém. É também através e na figura desta memória, materializada no pai de ambas, que nos é apresentado o elemento dominador do confronto essencial. Em relação a ela, o “outro” – o colonizado, o animal, a mulher – configura-se pelo seu inverso, algo que é imediatamente sugerido pelo olhar de Cissy, quando, no primeiro plano, surge repousada de rosto virado ao contrário.
O fascinante não deixa de ser a competência, não isenta de falhas, é certo, com que Karen Arthur vinca a oposição entre as duas irmãs, criando uma atmosfera própria para cada uma, que as envolve através do décor e da música, que dotam as imagens de uma musicalidade deslumbrante e perturbadora. Entretanto, é no vínculo entre elas, um tanto obsessivo e, alguns dirão, perverso, que o contraste se faz absolutamente sentir. Carol Kane e Lee Grant, com irrepreensíveis performances, personificam, respetivamente, em Cissy e Ellen, clichés referentes a um entendimento enraizado em sociedades patriarcais, como o era (e continua a ser) a sociedade americana dos anos 1970, na qual se impunha um entendimento sobre o que é e o que deve ser uma mulher e, acima de tudo, aquilo que ela não deve ser. Se, por um lado, Cissy rejeita os preceitos sociais a que uma mulher deve corresponder – e justamente aqueles com que a irmã deseja reger a sua vida – por outro, fá-lo numa histeria e loucura cujos contornos são claramente patológicos. Por sua vez, Ellen vê os seus próprios desejos frustrados à força de um sacrifício, em nome do cuidado e do amor materno, tradicionalmente associados à mulher. Ellen incorpora a mãe, Cissy reproduz o pai, num relacionamento pautado por uma certa ambiguidade, que coloca problemas, ainda hoje relevantes, a respeito da natureza e das funções dos papéis de uma e outra, num contexto em que estes estão ainda aprisionados a um determinado modelo de relação e padrões de género heteronormativos. Esta subversão não é inteiramente conseguida, uma vez que a dependência emocional que impede o rompimento entre Cissy e Ellen se encontra demasiado alicerçada no seu envolvimento sexual, o que nos parece imprudente e, por isso mesmo, desnecessário, porquanto limita uma possível reconfiguração do paradigma de relação de que falávamos, agrilhoando-a a um comum fetichismo do olhar masculino sobre relações entre mulheres.
Reconhecendo que a Karen Arthur faltou artifício e alguma ironia para escapar a lugares-comuns no que concerne ao tratamento e caracterização dos diferentes elementos, que, de forma algo problemática reúnem a importância e atualidade de The Mafu Cage. Assim, este prevalece, não tanto como uma obra cinematográfica a partir da qual desenvolvemos e alargamos significativamente a nossa reflexão, mas como uma belíssima obra diante da qual nos confrontamos com a angústia de vivermos fatalmente presos a um só olhar, a uma só ideia, sem vislumbre de um futuro outro, que aí não se esgote. Por ora já se adivinha que não devemos guardar qualquer esperança, o desfecho de The Mafu Cage é trágico e de outro modo não poderia ser. Porém, resta-nos perguntar –o que, se não o horror, pode ser marca do início da nossa tão necessária crise?