Tenham compaixão para com o morto
Benjamim Gomes, aluno de Mestrado em Cinema
“Which way is West?” Pergunta constantemente Lemmy Caution em Allemagne 90 neuf zéro. Após a morte de Godard, todo o sentido de orientação se perdeu. Talvez o devido procedimento após a morte de um dinossauro destes seja uma profunda investigação paleontológica, não só para entender melhor a evolução da sétima arte, na qual Godard foi um dos mais proeminentes envolvidos, mas também reajustar as bússolas e seguir o seu trajeto. Godard foi o mais exemplar explorador do território desconhecido do cinema.
Na prática, a sua morte não é um acontecimento. Não é nem o fim nem o início de absolutamente nada, apenas um grito. Das profundezas do inconsciente surge este dilacerar violento, a lembrança que o fim está próximo. Um por um, todas as “figuras messiânicas” morrem e até que ponto serão estas renovadas? Daqui a 50 anos haverá ainda cinema? Ou melhor, algo para lá do atual cinema? Cada vez mais a prática é a regressão inconsequente. Os reboots, remakes, homenagens, retrospetivas, apropriação de estilos já passados, a tentativa de passar o velho por novo e chamar-lhe progresso, uma espécie de constante apelo à autoridade que para o espectador mais atento não passa de falácia (e ainda bem). Godard, com as suas consecutivas metamorfoses, deu o exemplo em como fazer a diferença, em estabelecer um cinema intempestivo, cinema enquanto diferença no seu sentido Deleuzeano.
Homenagear um realizador com esta importância nunca será fácil tarefa, ainda por cima para alguém com um conhecimento míope da obra do mesmo. A sua filmografia é titânica, clássicos atrás de clássicos em praticamente 50 anos de cinema (uma arte jovem com apenas cerca de 140 anos na sua totalidade) e mesmo assim, insistimos sempre nas mesmas obras. Quase nenhum in memoriam a Godard dispensava de uma imagem de um filme seu ligado à Nouvelle Vague, filmes que me parecem ser primeiros passos de uma vida muito maior, de um cinema muito mais importante.
Assim, a morte de Godard torna-se profundamente deprimente. Não aprendemos nada. Após vir a público a causa de morte do realizador, suicídio assistido, um membro da sua família declarou: “He was not sick, he was simply exhausted.” Qual é a contra-argumentação possível? Na posição dele também estaria. Requiescat...