06 ABR · 18:30 · entrada livre
Auditório Ilídio Pinho
Ciclo Overcoming the forms of the outer world - parte 1
Programa concebido por Matthew C. Wilson, artista em residência na Escola de Artes em 2023, realizado em parceria com o programa InResidence da Câmara Municipal do Porto.
Programa 1
Fluídos e capital fluem. Imagens e líquidos vazam. O significado escorrega no meio de todo tipo de efervescência. Reprodução - ou a sua negação - como um processo que se espalha por imagem, capital, trabalho, ideologia, humano e animal. O primeiro programa da série é sensorial e corporal, mas profundamente engajado com as estruturas sociais e relações sociais extraídas tanto da história quanto projetadas em futuros especulativos. O corpo e a imagem estão profundamente entrelaçados - desde a base material até às políticas (sexuais em constante mudança) do olhar. Vale a pena lembrar que um dos primeiros espaços prototipicamente modernos de espetáculo (visual) foi o teatro das operações e dissecções.
An Industry and Its Irreplaceable Medium (2022) - Zachary Formwalt
Reproductive Exile (2018) - Lucy Beech
For a Life Long Disease of Copper (2021) - Alice dos Reis
Sight Leak (2022) - Peng Zuqiang
Qualities of Life: Living in the Radiant Cold (2022) - James Richards
An Industry and Its Irreplaceable Medium (2022) - Zachary Formwalt
O que permanece escondido na origem da imagem em movimento é o corpo de um animal morto. A película fotográfica é agregada por gelatina, vinda dos corpos de vacas mortas. Assim, sempre que olhamos para um filme, estamos de facto a olhar para um animal que somos estruturalmente dispensados de ver, uma vez que constitui o próprio medium no qual as imagens elas própias estão suspensas. Ao dirigir a nossa atenção para este blind spot, An Industry and its Irreplaceable Medium, simultaneamente dirige a nossa atenção para o blind spot da indústria da carne e finalmente para o capitalismo de uma forma geral, um sistema que persistentemente esconde os seus produtos industriais e processos que estão na sua base. Se restos animais são encontrados na origem da película, eles estão também na origem da produção em massa capitalista: o mesmo matadouro onde as vacas são desmembradas, tornam-se o material que junta o filme, inspirado nas linhas de montagem de Henry Ford.
Reproductive Exile (2018) - Lucy Beech
Reproductive Exile, 2018, explora a experiência de um utilizador de produtos farmacêuticos biomédicos derivados da urina. O filme acompanha a narrativa de uma paciente transfronteiriça na indústria das barrigas de aluguer comercial, onde encontramos esta "exilada reprodutiva" na estrada, no seu carro, obcecada por uma máquina chamada "Eve" - uma prótese científica que lhe atribui um modelo de órgão personalizado com no qual confia enquanto se esfrega, conduz e se injecta num ciclo aparentemente interminável. Ocupando um espaço desconfortável entre a realidade e a ficção, o filme desliza entre o road movie e o filme-ensaio, ligando a investigação sobre as agendas culturais, sociais e económicas da indústria da reprodução assistida à experiência da desorientada protagonista do filme. Numa alucinação induzida por drogas, ela imagina o seu corpo interior a transbordar - espelhando um estado médico referido como "terceiro espaço", uma resposta exagerada ao excesso de hormonas, em que os fluidos se acumulam entre as células num espaço corporal normalmente não preenchido com fluidos. Neste estado de excesso, a protagonista imagina o seu corpo entrelaçado com o de outros humanos e não-humanos que facilitam o seu tratamento de fertilidade.
For a Life Long Disease of Copper (2021) - Alice dos Reis
Provindo da história familiar da artista, For a Life Long Disease of Copper extrapola o médium do filme ensaio e o drama de ficção científica para recontar e ficcionalizar a história da sua avó, que trabalhava numa fábrica de medicamentos em Lisboa, nos anos 60 e 70 onde, com outros colegas, fabricou a primeira pílula contracetiva. O filme é uma entrevista ficcional com a avó da artista, representado por uma versão digital envelhecida da artista ela mesma. Enredando posições pessoais, biográficas, históricas e políticas, dos Reis pergunta (e responde) a algumas questões sobre a vida da sua avó enquanto trabalhadora de uma fábrica de medicamentos. O filme foi originalmente apresentado no contexto de uma exposição acompanhado de uma série de trabalhos interrelacionados.
Sight Leak (2022) - Peng Zuqiang
“A lua, a rua por vezes escura, as árvores, está quente (…) finalmente, um certo erotismo (o de uma noite cálida) é possível”. Quando Roland Barthes visitou a China em 1973, tirou algumas notas que se tornariam parte do seu Carnets du voyage en Chine, uma trama de desejo na sua versão imaginada do país. Barthes não publicou estes escritos em vida, e os seus julgamentos sobre a China surgem refratados no trabalho de Peng Zuqiang como fragmentos de diálogos sobre a ideia de classe e do olhar, respondendo às reflexões provocadas pelo sentido de erotismo de Barthes. O turista local deste filme viaja através de diferentes espaços e encontros, parecendo nunca olhar para ninguém, embora silenciosamente olhando alguém, dirigindo-se a uma certa coletividade. Uma subversão possível de uma olhar estrangeiro homorerótico.
Qualities of Life: Living in the Radiant Cold (2022) - James Richards
Featuring Daily Photos and Observational Photos (both, 2000–2007) by Horst Ademeit (1937–2010), and an extract from Hemlock (2022) by Leslie Thornton, 2K, colour, stereo sound, 17’29”. Courtesy of the artist, the Estate of Horst Ademeit, and Fondazione In Between Art Film.
O trabalho é uma endoscopia material e metafórica que grava e compila naturezas mortas domésticas, detritos, e sistemas de esgoto cívicas em poesia e música para olhar de mais perto as dimensões públicas e privadas da decadência, higiene e contágio. Sobre as suas estâncias, foca-se com atenção granular os diferentes materiais que colecta, como se envolvidos numa anamnese do eu, um corpo, uma casa, uma cidade. O filme interlaça as escalas macro e micro através de discursos não lineares, desde a evolução milenar da estrutura social das abelhas—imagens originalmente filmadas pelo artista e habitual colaborador Leslie Thornton—até a breve análise de um corpo através de uma ressonância magnética. Uma das suas forças motrizes é uma série de imagens do arquivo de Horst Ademeit, cujo imperativo obsessivo, ao longo de décadas, foi o de registar o impacto das radiações (raios invisíveis ou “frios”, como lhes chamava) no seu corpo e redondezas. Em outra estância, vários restos eróticos, narcóticos, nostálgicos do apartamento e estúdio de Richard são compilados, escanados e animados em conglomerados mentais. Através do filme, objetos e sujeitos, corpos e imagens apenas solidificam por um só momento antes de esbater as suas fronteiras, flutuando para uma outra coisa. Vozes e percussões desenvolvidos com músicos e atores emergem ritmicamente e submergem, causando novas interferências. O filme coloca-nos um dilema de sobrevivência, ou talvez um truque, na dimensão subtilmente mundana e infraestrutural que atravessa.