All Them Swines · João Maria Gusmão
17 JAN - 14 MAR 2025
Inauguração · 17 JAN · 19h00
Sala de Exposições da Escola das Artes
Entrada livre
Curadoria: Nuno Crespo
Nesta mostra destaca-se um’obra de João Maria Gusmão, All them Swines, inspirada num’outra, a versão em desenhos animados da obra-prima do escritor inglês Jorge Aurélio, obr’essa que comenta a prevalência do império dos porcos no seio do reino dos humanos. Desconhecendo as intenções mais profundas da verve do escritor, tudo leva a crer que se trata de uma metáfora. Aurélio insinua que Estaline é um porco mau e feio e que os indivíduos que aderiram ao movimento revolucionário marxista na terra dos Czares são bichos. Não podíamos estar em maior desacordo, Estaline, à semelhança de outros porcos do século vinte, não só é mau como também é um príncipe das trevas. Se é feio ou não, depende. Eu gosto de bigodes. Entretanto, passaram mais de setenta anos desd’essa grã opus. A queda do muro pôs fim ao KGB mas não destruiu as agências de informação dos outros impérios. À luz dos dias d’hoje, a obra de Aurélio continua a deixar a impressão de que vivemos numa exploração agropecuária à mercê de um destino histórico controlado por desígnios perversos profundamente extractivistas. Na prosa de Aurélio, sentem-se tons de legítima comoção por quem é indignamente explorado, e solidariedade para com a sublevação contra os capatazes afoitos do lucro que tudo fazem para as galinhas porem mais ovos, as vacas darem mais leite e haver mais bacon, febras e entremeada no cadáver dos porcos bonzinhos. Parece, inclusive, que os dois grandes apanágios do tempo moderno, aparentemente contraditórios, se complementam na imagem dos donos disto tudo, a relação entre a escravatura e o ócio. A quinta de um porco mau e feio e esclavagista produz muito para ele gozar eternamente das suas imerecidas férias. É pérfido o mestre senhor da quinta dos animais que domesticou o cão e a ovelha: ao primeiro ensinou a ladrar e a morder, ao segundo a fazer o que lhe mandam. Voltando à mostra. Originalmente o filme, por este contexto informado, é para crianças. Divertido e pedagógico, terá sido encomendado pela Central Intelligence Agency dos United States of America e amplamente distribuído durante a guerra fria para fortalecer a ideia de que os povos sob a influência corrupta da União Soviética se podiam revoltar contra o seu opressor. Senhoras e senhores! O desenho animado é propaganda! O que Gusmão faz é chop-suey desse filme dividindo-o em três e projectando esses fragmentos uns por cima dos outros de forma a revelar um subtexto não diegético a montante da obra. Verifica-se que, sem se entender o fio a meada da história, observam-se todo o género de atentados e bestialidades à paz e santidade bucólica da vida campesina. O cão morde o gato e o homem, o homem malha no cavalo e dispara morteiros, o burrou acossa o porco e avia um coice na multidão, há dinamite e explosões, jorra sangue, voam penas, conta-se o dinheiro, enquanto uns trabalham, outros distribuem tabefes que também é trabalho. O porco Estaline é o diabo, mas todos os outros bichos, homens, porcos, cães, patos e passarinhos, etecetera e tal, são diabretes do inferno. Brutalidade e injustiça, agora e sempre, passado presente e futuro, até perder de vista. Quando a história é percepcionada simultaneamente, parece que nunca nada foi de outra maneira. Sem propaganda, apenas uma observação genérica acerca da história geral de violência. Disse.
João Maria Gusmão, dezembro de 2024