17 SET 2024 - 08 OUT 2024, 18:30 | AUDITÓRIO ILÍDIO PINHO
Ciclo Devagar se vai Longe
Devagar se vai longe: o ritmo contemplativo
O ciclo Devagar se vai longe propõe uma reflexão sobre um cinema lento e de contemplação que nos faz questionar a experiência enquanto espectadores.
O tempo age como o elemento indispensável nos filmes escolhidos, e o corte deixa de estar ao serviço da imaginação do público ou da lógica narrativa, passando a ser um “corte não racional” como definiu Gilles Deleuze em A Imagem-Tempo. Sendo assim, o corte segue uma lógica sensorial, fazendo com que o tempo leve o espectador a permitir que o seu inconsciente se liberte e decorra uma introspecção. Por isso, é através da duração que o cinema - aparentemente sem enredo e por seguir princípios narrativos bastante simples - estimula o espectador a realizar, através da sua participação num filme, uma análise de si próprio.
Os filmes escolhidos caracterizam-se não só por procurarem este mais além, mas também por tocarem em muitos aspetos técnicos e de realização, como por exemplo: a utilização de planos fixos, a presença de personagens alienadas e inexpressivas, a representação de rotinas que são interrompidas por um contraste, ou ainda a presença de episódios absurdos. No entanto, em cada um dos filmes que selecionei descobre-se um interior que é único e pertence exclusivamente àquele filme e à pessoa que o observa, pois por mais que se reutilizem certas técnicas estes filmes são sobretudo construções interiores únicas.
A rotina tem um papel importante nestas obras cinematográficas, Yasujiro Ozu - o primeiro realizador abordado no ciclo - repete gestos não só durante os seus filmes mas ao longo de toda a sua carreira. As suas histórias giram em torno de dramas familiares e O Gosto de Saké (1962) não foge à regra. O filme lida com a saudade de um pai que se rende à solidão pela felicidade da filha. Esta premissa tão simples, a solidão, é pintada de uma forma tão pura como uma casa vazia coberta de sombras, degraus de escada sem ninguém que os suba e um espelho sem ninguém que o olhe, dando-se posteriormente a chegada de um pai bêbado que olha a sua casa desocupada. São os planos “vazios” complementados pela personagem estóica, que finalmente sente, que confrontam o espectador com o final da vida, a morte de algo que vem (ou se calhar já veio), sentindo nós espectadores aquela dor.
Do estoicismo das personagens de Ozu passamos para a alienação dos personagens em Quatre Nuits d’un Rêveur (1971). Aqui Robert Bresson aborda o romantismo, mas um romantismo moderno, onde os sentimentos se tornam quase uma obsessão repetida, surgindo o nome de Marthe (a amada) constantemente. Um sonho é criado (o de amar) e há um afastamento interior da realidade, um amor tão intensamente sentido que realmente desaparece. Por fim, nada mais passou de um poema de dois “desnamorados” e mais uma cara abstrata pintada num quadro a vermelho. Sai-se da realidade das ruas e entramos no quentinho de um contrastante “era a ti quem eu amava”.
Tal como no filme do realizador francês as duas curtas Walker (2012) e No no sleep (2016) de Tsai Ming-Liang destacam-se pelo contraste, neste caso marcante entre a velocidade do monge que anda de forma extremamente lenta e a cidade movimentada à velocidade da luz. O primeiro filme é um dos mais excelentes exemplos da “palavra da duração” abandonando quase por completo a sequência narrativa, transmitindo tudo aquilo a que se propõe - um caminho teológico. Já o segundo filme, que se inicia com a mesma premissa da primeira (um monge a caminhar pela cidade), leva-nos para os balneários de um hotel onde esta personagem sagrada, que está acima do tempo, é posta lado a lado com o que poderemos considerar um simples cidadão. Aqui, através da comparação, o filme questiona o estilo de vida que não nos deixa dormir, sendo que se vive num mundo tão abstrato (como se mostra através dos planos dos comboios que passam a grandes velocidades) que talvez para o compreendermos tenhamos de abrandar.
Banhado pelo absurdo da realidade está também o último filme do ciclo Canções do segundo andar (2000). Se na sessão anterior os filmes apresentam o sagrado como a resposta para a cidade consumida, no filme de Roy Andersson o sagrado é apenas mais uma das tentativas absurdas para escapar ao mundo ilógico e caótico que tomou conta das pessoas levando-as ao alcoolismo, desespero e manicómios. Um filme que forma uma piada sobre a sociedade capitalista numa fórmula capitalista que se distancia da lentidão dos outros filmes adotando um surrealismo essencial para chegar a uma introspecção interior.
(Diana Monteiro, aluna de Licenciatura em Cinema e programadora do ciclo)