Paulo Catrica
PPP porosità, poetica e política
Sicilia, 2021
Curador: Carlos Lobo
Inauguração · 21 MAR · 19h00
Sala de Exposições da Escola das Artes
21 MAR- 18 ABR 2024
14H às 19H - Entrada livre
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15.07.2021
Deixamos Palermo a meio da manhã em direcção às Madonie, ao km 39 depois de Buonfornello a A19 corre num longo viaduto que serpenteia por cima do rio Imera Settentrionale ou Fiume Grande. Construída entre 1970 e 1975, a A19 está permanentemente em obras de conservação, a utilização de materiais pobres e a má construção transformaram rapidamente a promessa de progresso em ruína. Em 2015 uma secção do viaduto perto de Imera ruiu e os problemas estruturais persistem reduzindo a autoestrada em muitas secções a apenas uma via em cada sentido. A construção de muitas das obras publicas na Sicília foi entregue a empresas com ligações à ‘coisa nossa’. Ultrapassamos o longo e escuro túnel de Tremonzelli, inscrito de histórias inexplicáveis de motores que explodem no seu interior sem motivo aparente, deixamos a A19 e seguimos pela SS120, via Castellana Sicula para Petralia Sottana, estamos nas Madonie.
A Sicília não é uma ilha é um ‘continente’, escreve Ferdinand Braudel no seu ‘O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico’. Povoada por sicanos, elíminos e sículos a Sícilia foi parcialmente ocupada, dominada ou disputada por Fenícios (séc IX a.C.), Gregos (século VIII a.C), Cartagineses (séculos V a III a.C), Romanos (séc. III a.C. a séc. I), Vândalos (440-493), Ostrogodos (493-555), Bizantinos (535-1043), Árabes (827-1091), Normandos (1060-1194), Suábios (1185-1266), Aragoneses (1282-1513), Espanhóis (1513-1713), Piemonteses (1713-1718), Bourbônicos (1734-1860) e finalmente depois de 1860 unificada como parte de Itália.
No meu imaginário a Sicília era um lugar inscrito pelas história(s) e imagens, de Tomasi di Lampedusa, de Leonardo Sciascia, de Elio Vittorini dos filmes de Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni e Franco Maresco, das fotografias de Letizia Battaglia, Tony Gentile, Fausto Giaccone e Giovani Chiaramonte. E de muitos pequenos raconti pela voz do meu amigo e cúmplice Sebastiano Raimondo.
Este périplo pelas Madonie tem com origem a residência artística/encomenda do projecto Madonie. Paesagi 1973/2021. Fondo storico e nuove commitenze. Com um interesse particular pela ideia de “lugar comum”, esta série tem a pretensão que o uso quotidiano, banalidade e monumentalidade, da paisagem, da arquitectura e do espaço público se podem revelar através das fotografias. O facto de a minha investigação considerar a História, por defeito ou vocação, instigou o enunciado da paisagem enquanto estratigrafia e fragmento.
Imperfeitas como um território de memórias estas fotografias ‘raconti’ revisitam as Madonie enquanto paradoxo entre a beleza extrema e a banalidade, onde a resiliência e a porosidade das paisagens e da arquitectura - históricas e contemporâneas, são como resíduos de um corpo que resiste e revela as suas cicatrizes. Não como ruína, decadência ou abandono antes como matéria viva. Na expectativa de (re)criar um palimpsesto poético e político, que remete para a origem etimológica da palavra, do latim palimpsestos, e do grego palimpsêstos, como ‘raspado para escrever de novo.
[1] Este projecto de encomenda inclui trabalhos dos fotógrafos Luigi Fiano, Lorenzo Martelli, Marcello De Masi, Giovanni Scotti, Alvise Raimondi, Sebastiano Raimondo e da fotógrafa Maria Vittoria Trovato.
[2] "palimpsesto", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/palimpsesto.
Lisboa, março de 2024